Quarta-feira, Agosto 13, 2008

De novo a Bolsa

Recebí ontem uma brilhante, oportuna e sensata avaliação 9embora ácida em alguns pontos) do que estamos apreciando, no momento, com a Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA. Redigida por um brilhante ex-companheiro de trabalho na EMBRATEL - Alexandru Solomon, transcrevo-a abaixo, com autorização dele, para que possam todos entender como as coisas estão acontecendo no "mercado". Bear market, decoupling, fundos estrangeiros, crise de sub-prime, de tudo um pouco é abordado pelo Solomon, com bastante clareza. vejam a seguir.
Acostumados com anos de altas contínuas, os investidores – os novatos bem como os que se intitulam experientes – externam um crescente sentimento de perplexidade ante uma queda contínua das cotações. Não faltam manchetes alarmistas, nas quais abundam termos como “irracionalidade”, “despencar”, “tombo” etc. Fala-se num terrível bear market capaz de levar de roldão ganhos que, até bem pouco tempo eram considerados como já incorporados ao patrimônio dos investidores.
É o caso de tentar apresentar uma explicação – mais uma – para esse fenômeno.
Em primeiro lugar, falar que as pessoas ficaram mais pobres não deixa de ser cômico, por uma razão bem banal. As cotações em Bolsa refletem um equilíbrio entre oferta e demanda de papéis, limitado a uma amostra negociada. Dizer que a ação da empresa X vale 40 reais – se quiserem pensar em Petrobrás, nada contra – não quer dizer que TODOS os detentores dessa ação conseguiriam SIMULTANEAMENTE VENDÊ-LAS a 40 reais. Se houver acordo total entre investidores, quanto a ser 40 reais o tal ‘preço justo’, ninguém venderia por falta de alguém que se dispusesse a comprar uma ação que, por ter atingido o tal preço justo, não teria como evoluir. Como, para felicidade dos adoradores do deus-mercado, as projeções de profissionais e amadores divergem, é quase certo que cada vendedor encontrará um comprador para os papéis dos quais deseja se desfazer: para colocar dinheiro debaixo do colchão, para colocar na poupança, pagar uma dívida ou usufruir do conforto (e desconforto) proporcionado pela posse do vil metal, em estado natural. Encontrar o comprador, sim. Disposto a pagar o que o vendedor deseja, nem sempre.
Quem se desfizer de uma ação a um preço menor que o de compra realizará um péssimo negócio – que pode ainda se tornar o menor dos males, caso o mau humor do mercado bursátil persista. Exercícios do gênero “tenho 1000 ações cotadas a 40 reais, logo tenho 40.000 reais” possuem uma utilidade relativa. São imprescindíveis para um administrador de fundos, que deve calcular o valor da quota, a fim de atender resgates, ou atribuir novas quotas àqueles que aportarem dinheiro novo. Para o mortal comum, que desejar ter uma idéia aproximada - e muito aproximada, diga-se de passagem – de quanto está valendo sua fortuna isso não passa de uma tarefa angustiante nos dias de baixa e tonificante do ego, nos momentos de alta. Naturalmente, quando se está operando com um certo grau de “alavancagem”- vulgo dinheiro de terceiros, ou quando o “longo prazo” termina no dia de exercício de opções, a postura de contemplação beata, associada a uma inação total, possui um toque masoquista.
Durante um bom tempo, falou-se com orgulho do “decoupling” da Bovespa em relação aos mercados europeus e americano – isso depois de vários estudiosos terem demonstrado que no passado, sempre mais conhecido que o futuro, havia uma alta correlação entre Bovespa e Nasdaq. O mantra quase-ufanista, tão ao gosto de quem sente a absoluta necessidade de se manifestar, por obrigação profissional ou desejo de impressionar o vulgo, era a repetição de uma velha cantilena, segundo a qual o Brasil seria uma ilha de tranqüilidade num mar proceloso. (já ouvimos isso no passado). Nós não tínhamos sub-prime,
Explicações? Inúmeras. Uma delas é que os “gringos” – aqueles tolos prestes a comprar qualquer ação brasileira a qualquer preço – tiveram que fazer regressar ás pressas sua preciosa bufunfa para tapar buracos domésticos. Tia Mary de Ohio resolve resgatar as quotas do fundo de ações daqueles países estranhos, já que conseguiu uma boa grana – a dica do sobrinho que estuda Economia valeu – e manda vender. O tio Bob de Oklahoma, para salvar sua casa, já que está com as prestações renegociadas em atraso, faz o mesmo, e grandes bancos, sem vontade de passar pela experiência do Bear Sterns, repetem o grito de Venda, amplificado pelo tamanho da carteira. Os gringos “irracionais” estão fugindo. Malditos covardes. No Estadão de 12/8, a manchete: Estrangeiro “irracional” derruba a Bovespa.
Outra explicação aceitável é que - terminada a temporada de oba-oba nos IPOs houve perdas, e mesmo sem que essas novatas, vendidas a múltiplos ”agressivos”, integrem o Bovespa - entrou em vigor uma lei esquecida da Economia, uma tal de lei de Gresham, segundo a qual:”a má moeda expulsa a boa”. Impossibilitado de se livrar sem perdas enormes da coleção de “micos”, o tio José – leitor da obra “Como ganhar um milhão na bolsa sem esforço” manda vender as ações de maior liquidez – coincidentemente as de maior peso no índice. os fundamentos eram mais sólidos do que nunca antes nesse país, e para alguns mais entusiastas a marcha do índice Bovespa tinha dia e hora para alcançar 80.000, 90.000 ou mais pontos. Bastava ter uma calculadora, ou uma razoável habilidade com os números e pronto: “No último pregão do ano comemoraríamos um Bovespa de 90.000 pontos”, por exemplo. Como sempre, ficou provado que é extremamente difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro- como dizia Mark Twain. Eis que agora, o famigerado “decoupling” continua presente, com um detalhe algo perverso. Mesmo com uma relativa estabilidade ou até alta dos mercados americanos, estamos “descolados”. Reginaldo, executivo de sucesso e grafista nas horas vagas, ao constatar que o “canal de baixa” estava tragando rumo ao ralo, com aceleração de Coriolis e tudo mais, o valor do bônus, resolve vender “a mercado”, xinga o corretor, xinga o administrador de sua carteira e só não chuta o cachorro, porque com Rottweiler não se brinca. E lá se vão Petro, Vale e companhia, já que os “micos” são imexíveis.
Naturalmente, os experientes dão risada ao ver o apavoramento dos neófitos. Essa firmeza dura uns 5000 pontos, e viva o efeito manada.
Muito bem, Claudilene, por que me olha com tanta raiva?
Realmente, não há motivo para odiar ou amar uma ação, assim como ter seguido tal ou qual indicação não deveria justificar medidas judiciais em busca de reparações. Claro que houve, há e haverá. Obviamente, algumas terão razão de ser, outras, não. Alguns até conseguirão indenizações. Não necessariamente as vítimas da incompetência de profissionais.
E agora? De autópsia, qualquer legista entende. Precisamos de oráculos objetivos e parece que não há liquidação de arúspices no Carrefour.
Naturalmente, há investidores com nervos de aço, de titânio ou simplesmente autistas. Eles trocam o barco que afunda por um submarino e emergirão mais cedo ou mais tarde.
Para quem está fora dessa agitação – e não se trata apenas de “especuladores que recebem o castigo divino/merecido, um pouco de calma sempre fará bem. Segundo fontes relativamente confiáveis, o mundo não acabará. Deve haver uma passagem em Nostradamus capaz de justificar a queda da Petrobrás. Mas como as profecias estão fora de ordem, é difícil localizar a passagem que fala na recuperação.
Em todo o caso, merece acompanhamento médico a extrema euforia que faz subir as ações da estatal quando sobe o preço do barril lá fora, assim como a depressão que aflige as cotações quando a cotação do tal barril “despenca” – para respeitar o termo da moda. Apesar de comemorada há dois anos, a auto-suficiência foi mais oratória do que fato. Entendamo-nos: Não foi uma farsa. Apenas foi uma verdade com data errada. A Petrobrás é importadora líquida de petróleo. Então, Claudilene, quando a cotação do petróleo aumenta, a Petrobrás paga mais caro pelo que importa, e não cobra proporcionalmente mais pelo seu produto no Brasil. É uma S/A com funções mais amplas do que supõe nossa vã filosofia. O Estadão de 12/8 diz “Área de refino da Petrobrás perde 615 milhões”. Não é uma tragédia, mas talvez mereça um pouco de reflexão.
Claudilene ouviu falar em queda das commodities. Depois de pesquisar leu algo sobre doença holandesa e... resolveu vender Vale. Nada contra. Ocorre que, por enquanto, o tal core business da Vale é o minério de ferro, ausente nas bolsas de mercadorias. Sim, dirá Claudilene, mas o níquel o ouro e o... Justificam uma queda de uns 50% e, antes que tudo vire pó, ela que não quis pular fora do barco quando apurava um lucro substancial, prefere saltar agora para realizar um prejuízo. Excelente.
Encontrados os vilões: Tia Mary, Tio Bob, os gringos em geral e mais Tio José, Reginaldo e Claudilene podemos respirar aliviados. Sabe-se de fonte segura que no fundo do poço há uma mola propulsora. Não vale a pena jogar fora os livros que ensinam como qualquer trocador de ônibus pode virar milionário. Histórias de sucessos e de fracassos fazem parte do cardápio e sempre será possível ouvir a história de alguém que conseguiu um milhão, mesmo que para tanto tenha sido obrigado a começar com dois.

 
 

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